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ODIVELAS: ANO NOVO COM LUTAS ANTIGAS

Para muitas pessoas, a passagem de ano é um período de balanço do ano que termina e perspetiva do que se vai iniciar. Este texto não pretende fugir a essa lógica, associando os fenómenos às escolhas políticas adotadas ou não implementadas.

A pandemia de COVID-19 marcou indelevelmente a nossa vida no ano de 2020, com consequências que vão manter-se no tempo. Apesar da rápida resposta da ciência, a pandemia continua por controlar, como demonstram os números diários de vítimas e a extensão dos seus efeitos na vida coletiva está longe de ser apurada. A pandemia que entrou no nosso país há menos de onze meses já atingiu a vida de todas as pessoas, ainda que os seus efeitos se façam notar de formas bem diferentes no quotidiano de cada uma delas.

A crise pandémica trouxe consigo uma crise económica grave, na qual as pessoas mais vulneráveis foram as primeiras e as que mais intensamente sofreram com a sua violência. Pessoas com trabalhos precários, jovens em período experimental foram das primeiras a ficar sem rendimento e sem trabalho. Muitas e muitos outros não puderam confinar e tiveram que sujeitar-se, diariamente, a utilizar transportes públicos escassos e que, não raras vezes, têm circulado apinhados de gente.

Já as pessoas que ficaram em casa, mesmo que não tendo ficado sem trabalho, não estão necessariamente a viver um confinamento confortável. A pobreza energética é um problema que atinge mais de dois milhões de pessoas em Portugal, as quais não conseguem sequer aquecer as suas habitações, particularmente, nos períodos em que as temperaturas dexem acentuadamente. Neste domínio, foi especialmente arrepiante perceber que o bairro do Cassapia, no Olival Basto, esteve quatro dias sem energia elétrica, no início deste mês. A situação identificada durante uma ação de campanha só foi resolvida após intervenção da concelhia de Odivelas do Bloco de Esquerda.

2020 e a centralidade do Serviço Público nas respostas à pandemia

A situação extrema vivida no Cassapia verificou-se em outros pontos do concelho e do país, tendo sido resolvidas em espaços temporais de horas, felizmente para as pessoas afetadas. Esse tipo de ocorrências são o resultado de décadas de desinvestimento na manutenção das redes de distribuição de energia, tendo essa situação sido drasticamente agravada pela privatização dessa infraestrutura basilar à vida das populações.

O desinvestimento nos serviços públicos foi a pedra de toque da política governativa portuguesa. Em 2015, a maioria de esquerda na Assembleia da República apenas conseguiu abrandar essa trajetória, mas não teve a força necessária para a inverter de forma clara.

Ainda assim, com as limitações de recursos humanos, técnicos, materiais e infraestruturais que são inegáveis, o Serviço Nacional de Saúde foi o garante da primeira resposta à pandemia, evitando, nessa altura, uma tragédia de dimensões bem maiores e assegurando a margem temporal que os decisores políticos necessitavam para delinearem formas de atuar no combate à pandemia. As e os profissionais de saúde ficaram sem férias, deixaram as suas famílias para trás e fizeram horas extra sem fim, para defender a vida de todas e todos nós. Praticamente um ano depois, o Governo insiste na mesma solução para combater uma realidade que, como os números demonstram, é bem mais grave. Neste cenário, a requisição civil dos hospitais privados, por forma a colocar toda a capacidade instalada no país ao serviço da saúde de todas as pessoas, é uma urgência que tarda em ser executada. A mobilização desses recursos para a esfera do Serviço Nacional de Saúde, mais do que uma medida de caráter ideológico, é uma necessidade que qualquer pessoa compreende, a não ser quem coloca interesses particulares à frente da saúde de quem está infetado com a COVID-19 ou de quem necessita de outros cuidados médicos.

No domínio da educação, a falta de planeamento e de investimento fez com que pareça que voltámos a março de 2020. As escolas voltaram a fechar portas e as crianças e jovens foram enviadas para suas casas, onde as desigualdades fazem notar-se severamente e quase sem mecanismos de amortecimento do seu impacto. O Governo prometeu computadores e ligações à internet para todos os alunos e alunas do ensino público para o arranque deste ano letivo, mas a caminho de completar metade do ano escolar, a realidade é bem diferente. Os equipamentos prometidos não serão por si só a solução para ultrapassar os constrangimentos da pandemia na área da educação, mas são um elemento indispensável para esbater algumas das diferenças que existem entre estudantes da Escola Pública.

Tal como o Serviço Nacional de Saúde, a Escola Pública foi uma das grandes conquistas da Liberdade trazida pelo 25 de Abril e promoveu uma significativa transformação na sociedade portuguesa. A carreira docente há muito foi desvalorizada, fazendo com que as escolas não consigam ter os recursos humanos suficientes para manter a qualidade do Serviço Público. De igual modo, as e os funcionários não docentes estão em número insuficiente nas escolas, tornando os horários de trabalho num inferno de tarefas impossível de cumprir. No entanto, por estes dias, ficou igualmente claro que a Escola Pública é a resposta educativa que o país precisa, já que os privados mostraram, novamente, que a sua alegada preocupação com o desenvolvimento harmonioso das aprendizagens existe apenas quando está em causa uma vantagem para si mesmos

As lutas que continuam no novo ano

Em 2021 a exigência pela valorização do SNS e da Escola Pública são orientações políticas que permanecem atuais e veem a sua preponderância na vida coletiva reforçada, ainda para mais com o agravamento da pandemia. A par da qualificação desses Serviços Públicos, muitos outros têm que ser robustecidos.

Os apoios sociais diretos às pessoas têm que ser reforçados de imediato, porque a vida não espera. Quem ficou sem trabalho e viu o seu rendimento desaparecer na voracidade da crise pandémica não pode ficar com a vida suspensa meses a fio ou ficar comprometido/a com obrigações que dificilmente poderá satisfazer num prazo mais ou menos longo.

A alteração das leis laborais que vigoram desde o tempo da troika é outra das urgências que a pandemia veio tornar, ainda mais, evidente. Recuar no período experimental, penalizar efetivamente a contratação de trabalho precário e dotar a Autoridade para as Condições de Trabalho de meios para cumprir de facto a sua missão será a forma mais eficaz de proteger quem trabalha e, em particular, as e os trabalhadores mais jovens e todas e todos os que trabalham em setores onde a precariedade é lei.

Em simultâneo, em 2021, a pertinência da problemática ambiental e da sustentabilidade do planeta mantém-se intocável. O grito de milhões de jovens um pouco por todo o mundo tem de ter tradução em políticas públicas concretas e que assegurem uma transição socialmente justa para modos de vida que coloquem o futuro sustentável da nossa casa comum no centro da sua ação.

Num cenário de pandemia que não atingiu todas as pessoas por igual, a afirmação da igualdade e o combate a qualquer forma de discriminação é absolutamente premente. O reconhecimento de que as pessoas não partem todas do mesmo lugar é condição fundamental para o desenvolvimento de respostas que não deixem ninguém para trás. Num tempo em que a extrema-direita ganha espaço e o discurso segregacionista de alguns grupos de pessoas anda à solta, só a proposta política clara, convicta, determinada e sem ambiguidades é o caminho para a construção de uma sociedade mais igual, justa, social, económica e ambientalmente sustentável.

Na segunda metade do ano vão realizar-se eleições autárquicas, nas quais todas as lutas aqui referidas terão um espaço de disputa importante. O Bloco de Esquerda estará nesse embate com a frontalidade programática que nos define, defendendo a valorização do Serviço Público, recusando a privatização de serviços essenciais, pugnando por uma política de habitação social que focada nas reais necessidades das pessoas, propondo políticas de mobilidade e utilização do espaço público ambiental e socialmente mais equilibradas.

 

A Concelhia de Odivelas do Bloco de Esquerda

 

Artigo publicado originalmente a 28 de janeiro no jornal Odivelas Notícias