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ODIVELAS: TEMPO DE AFIRMAR CONVICÇÕES

O contexto internacional e nacional está marcado pelo aparecimento no espaço público de discursos abertamente discriminatórios, que têm vindo a traduzir-se em propostas políticas de extrema-direita e algumas das quais assumiram já lugares de poder. Os casos dos Estados Unidos da América e do Brasil são os mais mediáticos, mas também na União Europeia há países governados por uma direita que não respeita cidadãos não nacionais e persegue minorias. A Hungria é o exemplo mais evidente de um país europeu com um governo que se comporta dessa forma extremista, mas em muitos outros pontos do continente o mesmo tipo de caminho está a ser percorrido por forças políticas da direita populista e radical, dando corpo a uma estratégia internacional perfeitamente identificada.

A retórica populista a fazer lembrar o Estado Novo

Em Portugal esse fenómeno chegou com algum atraso, mas aí está com as mesmas dinâmicas que conhecemos de outros países. Um discurso baseado no descontentamento com as condições de vida, virado contra a classe política no geral e a culpabilização de determinados grupos sociais minoritários são o terreno fértil em que se move essa parte do sistema político.

O discurso contra o alegado privilégio de algumas minorias, no qual a comunidade cigana é a mais visada tem-se multiplicado nas redes sociais e ganhou espaço, também, nos lugares de representação política. Mesmo com todos os dados a desmentirem esses factos, existe uma grande franja da população que acredita  que as pessoas ciganas vivem maioritariamente de subsídios públicos, entre os quais o Rendimento Social de Inserção (RSI), ignorando que, do total de beneficiários desse apoio social, somente menos de 5% são de etnia cigana e que recebem em média cerca de 120 euros mensais por beneficiário da prestação.

O discurso populista é igualmente dirigido a outras minorias, como as pessoas imigrantes. Neste caso, estão em causa, também, a facilidade de acesso a apoios sociais e o facto falso de que essas pessoas vêm para Portugal roubar trabalho às e aos cidadãos nacionais. Os dados da Segurança Social relativos ao ano de 2019 demonstram que as contribuições líquidas das e dos imigrantes atingiram os 884 milhões de euros.

Contudo, a retórica populista não se fica pelo enunciar de acusações falsas contra determinados grupos sociais. Ao mesmo tempo que não coloca em causa a situação económica dominante, a extrema-direita traz para a esfera pública o discurso nacionalista à moda do Estado Novo.

As pessoas que ainda hoje têm dificuldades em lidar com o 25 de Abril de 1974, a propósito da morte do Tenente Coronel Marcelino da Mata, aproveitaram para reciclar a propaganda da ditadura e fazer de uma das bandeiras políticas de Salazar e Caetano o seu estandarte. A esmagadora maioria das condecorações de Marcelino da Mata, enquanto militar do exército português, foram lhe concedidas entre 1966 e 1974 e inscreveram-se numa lógica de propaganda do regime, procurando valorizar a importância e a necessidade da guerra colonial, ao mesmo tempo que mostrava que havia africanos que combatiam pela potência colonizadora.

Quase cinquenta anos depois do fim da guerra colonial portuguesa em África, a história desses treze anos perdidos para milhares de jovens e famílias, de ambos os lados, continua por fazer, como demonstrou este episódio. Um homem que participou numa guerra cometendo centenas de atos que se enquadram perfeitamente na categoria de crimes de guerra, como bem ilustram as descrições dessas ações feitas pelo próprio, não pode ser elevado ao estatuto de herói nacional.

Tal como no período da ditadura, a evocação de tão sinistra figura tem um objetivo claro e inscreve-se numa narrativa que procura aligeirar a perspetiva de momentos negativos da história do país e produzir a ideia de que em Portugal não há racismo. No passado bem recente, esta última intenção da extrema-direita ganhou forma em manifestações de rua que visaram menorizar as experiências de vida das pessoas racializadas.

Muitas das pessoas que afirmam que em Portugal não há racismo e que, nas últimas semanas, tiveram em Marcelino da Mata o seu ícone da portugalidade, são exatamente as mesmas que subscreveram uma petição pública a pedir a expulsão do país de um cidadão nacional que ousou chamar criminoso de guerra a um criminoso de guerra, como foi Marcelino da Mata. Com essa atitude contra Mamadou Bá,  demonstraram em primeira mão que em Portugal há racismo, que a liberdade de opinião não é para todas as pessoas e que se identificam em absoluto com os símbolos do Estado Novo.

O «herói nacional» que Odivelas não saudou

À semelhança do que se passou na Assembleia da República, em Odivelas, o CDS-PP apresentou na Assembleia Municipal um voto de pesar pelo falecimento de Marcelino da Mata, no qual reproduzia toda a propaganda em torno desse suposto herói nacional. Felizmente, ao contrário do que aconteceu na AR, o documento do CDS-PP foi chumbado na sessão da AMO realizada na última quinta-feira. Apenas o proponente votou favoravelmente, enquanto que PS, PSD e PAN se abstiveram e somente a esquerda (BE, CDU, a eleita não inscrita Lúcia Lemos e dois eleitos da bancada do PS – Carlos Lopes e Luís Alves) votaram contra.

O órgão mais representativo das e dos munícipes de Odivelas, concelho de onde foi comandada a revolução de 25 de Abril de 1974, soube estar à altura da sua responsabilidade e não alinhar no discurso extremista. A oposição a esse pensamento político que nos remete para o período da ditadura é um combate que tem de envolver permanentemente todos e todas as democratas.

Essa luta é, antes de mais, uma batalha pela verdade, pois já ficou bem claro que a extrema-direita não olha para a factualidade dos acontecimentos como base para a construção e divulgação do seu ideário. Para esse embate, todas e todos nós estamos convocados, em todos os planos da nossa vida quotidiana.

A assertividade da resposta fundada na firmeza das convicções

Nesse combate, os partidos políticos democráticos, também, desempenham um papel central. A afirmação inequívoca de princípios, compromissos claros e de opções políticas sem ambiguidades é a melhor forma de, na disputa democrática, derrotar a demagogia populista.

É com esse espírito de verdade que o Bloco de Esquerda tem pautado a sua atuação política, seja ao nível nacional ou ao nível da política local. Tendo como foco principal a melhoria das condições de vida das populações, a certeza de que um Serviço Público forte é a garantia da capacidade de transformação que necessitamos do ponto de vista social, cultural, económico e ambiental.

A título de exemplo, no que diz respeito ao serviço de abastecimento e tratamento de águas e recolha de resíduos, a posição do BE tem sido bem determinada e precisa ao longo do tempo. Apesar da ameaça de privatização por parte da então maioria PS-PSD, a criação dos Serviços Intermunicipalizados de Águas e Resíduos de Loures e Odivelas (SIMAR) foi a decisão certa. Não deixando de reconhecer a existência de constrangimentos no serviço prestado às populações, a experiência vivida noutros territórios já demonstrou que este tipo de serviços protagonizado por privados tem um aumento de preços gigantesco para as e os cidadãos sem garantia de acréscimo na qualidade do mesmo.

Ou seja, no caso dos SIMAR, as autarquias de Loures e Odivelas têm que deixar-se de jogos políticos com este serviço e dotá-lo de condições humanas e técnicas capazes de recuperar o legado histórico de serviço de excelência que aquela casa já teve no passado. Para tal, é preciso mais investimento e um projeto estruturado de requalificação dos SIMAR, por forma a evitar que ciclicamente estejamos a implementar respostas para os mesmo género de problemas.

Contudo, no imediato, o Bloco deu o seu contributo para o alivio da tesouraria dos SIMAR e das autarquias ou serviços que recolhem resíduos. Por proposta do BE, a Assembleia da República aprovou uma moratória que adia a entrada em vigor do aumento da Taxa de Gestão de Resíduos para o dobro, assegurando mais tempo para que as entidades que fazem a recolha de resíduos urbanos consigam adaptar os seus sistemas de recolha fora dos constrangimentos provocados pelo período pandémico.

 

A Concelhia de Odivelas do Bloco de Esquerda

 

Artigo publicado na edição de 25 de fevereiro do jornal Odivelas Notícias