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OPINIÃO: "O que esta autarquia não sabe gerir, privatiza." por Patricia Barreira

O que esta autarquia não sabe gerir, privatiza.

A autarquia inventou a política cultural1 porque entendeu-a fundamental para a criação de vínculos na comunidade. Sentiu-a necessária como veículo de representação de uma identidade própria para e da comunidade. Soube entendê-la como um território de confronto, de pensamento, de vivência e de socialização que provasse que cultura e desenvolvimento local estão intrinsecamente ligados. E por isso, por defender o que é comum, é um meio de coesão e de capacitação da comunidade, fundamental para uma maior consciência cívica. Nunca pode ser assumida de forma avulsa, ou seja desenraizada da realidade objetiva, nem ser alvo de experimentalismo no que diz respeito à sua gestão.

A cultura não é uma coisa efémera. É uma estratégia de desenvolvimento local que articula o presente e o futuro: o modo como valorizamos hoje a cultura refletir-se-á nos próximos anos. Ainda mais em áreas periféricas que se debatem com a atrofia provocada pela sua situação territorial, ou seja, pela indefinição que o peso da centralidade das grandes cidades lhes confere. E por isso, nestas, o que se impõe é substanciar a identidade, trazer para primeiro plano a memória coletiva, a produção artística - a condição operativa do pensar o que somos – e que combate esse valor de ausência.

Depois de 27 anos como centro dinamizador da cultura no concelho de Odivelas, o Centro Cultural da Malaposta vai passar a ser controlado por uma empresa privada. Esta decisão reflete não apenas a incapacidade de gestão pública da Câmara Municipal de Odivelas mas a sua completa demissão das orientações políticas que articularam no passado autarquia e cultura.

Esta decisão é exemplificativa da importância que a Câmara dá a este área estruturadora do desenvolvimento local e do modo como trata um espaço que é público, que pertence a todos, e nunca poderá ser gerido no âmbito privado porque passa a estar inscrito numa lógica própria que não é a do serviço público. Sem poder ser gerido por todos o que é de todos, a cultura transforma-se em mercadoria e o cidadão em cliente numa altura que, cada vez mais, a oferta cultural autárquica deve ser um exercício de resistência à cultura massificada.

A Malaposta não é um mero equipamento. Assinar a concessão é renunciar à sua própria história, ao seu património enquanto instituição cultural participante na rede metropolitana. Para o executivo, a cultura é um número incómodo no orçamento municipal: se dá despesa há que entregá-la a privados.

Com esta decisão do executivo PS, com apoio do PSD, vamos perder o controlo sobre o eixo dinamizador da cultura no concelho. Entregar a produção cultural de Odivelas a propósitos, objectivos e práticas, decididas e desenvolvidas por uma empresa privada é um erro incompreensível. Ao inserir a cultura numa lógica de lucro, nada do seu papel essencial – democratizador, formador, convergente – subsistirá.

1 http://ec.europa.eu/agriculture/rur/leader2/rural-pt/biblio/culture/art0...