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Assembleia Municipal de Odivelas chumba referendo local à extinção de freguesias

Bloco defendeu um referendo local "em nome da democracia"

A Assembleia Municipal de Odivelas chumbou a proposta para a realização de um referendo local à extinção de freguesias. Com excepção do Bloco de Esquerda, que apresentou a proposta, todos os partidos votaram contra a democracia.

 

Intervenção de João Curvêlo, deputado municipal do Bloco de Esquerda, na apresentação do projeto de deliberação:

«Discutimos hoje uma proposta de referendo local à extinção das freguesias do concelho de Odivelas. Fazemo-lo alguns meses depois de esta Assembleia ter iniciado a discussão sobre a proposta de Reforma Administrativa do Governo do PSD/CDS; e fazemo-lo também no momento exato em que se clarificam as posições de todos sobre a proposta.

Sabemos que muitos de nós, independentemente das bancadas a que pertencemos e das diferenças políticas que temos assumido, convergimos numa avaliação profundamente negativa do projeto de Reforma Administrativa que o Governo apresenta. Na Assembleia da República, Bloco de Esquerda, PCP e PS opuseram-se a esta reforma. Mas o facto mais relevante será, porventura, a resposta claramente negativa da grande maioria dos autarcas deste país, tantos deles pertencentes aos partidos que apoiam o Governo.

De facto, esta proposta de extinção de centenas de freguesias deixa muito a desejar e falha em todos os aspetos:

Primeiro, falha porque não é clara na sua origem. O Governo diz que é feita em nome do cumprimento do Memorando de Entendimento com a Troika, mas não há no memorando uma única referência à extinção de freguesias. Não há uma única referência;

Falha também porque não é clara nos seus objetivos. O Governo não diz quanto pretende poupar e não apresenta um único estudo de impacto desta reforma. Aliás, creio que isto é um caso único em Portugal: a maior e mais violenta reforma do mapa autárquico deste século não tem sequer um estudo que lhe sirva de base e justificação. Recorde-se, aliás, que o único estudo feito sobre esta matéria, apresentado pela ANAFRE, diz que a reforma do mapa autárquico agravará a despesa do Estado com as freguesias em vez de a reduzir;

Por último, esta proposta de reforma administrativa falha por falta de clareza no método de aplicação. As referências na Lei são ambíguas e pouco claras, não definindo critérios objectivos sobre as freguesias que se quer extinguir. Não há um único critério de desenvolvimento económico, não há um único critério de sustentabilidade demográfica, não há um único critério histórico ou social.

Perante isto, é esta a hora de decidir como agir sobre esta Reforma Administrativa. É por essa razão que apresentamos à vossa consideração um projeto de deliberação para a realização de um referendo local. Fazemo-lo por três motivos:

1. Desde logo, apresentamos esta proposta de referendo em nome da democracia. As pessoas têm o direito de decidir sobre a sua vida. Dizemos nós, dizem as Assembleias Municipais (como a de Barcelos) que já aprovaram propostas de referendo local. E diz, por exemplo, o presidente da Câmara Municipal de Évora, eleito pelo Partido Socialista, que assume só ponderar mexer nas freguesias depois de ouvir as populações que o elegeram;

2. Apresentamos esta proposta também por uma questão de referência legal. A Carta Europeia de Autonomia Local, um documento a que o Estado Português está vinculado e que é muitíssimo mais relevante do ponto de vista jurídico que o Memorando da Troika, diz no seu artigo 5º que as populações devem ser ouvidas sobre alterações do mapa territorial local, através de um referendo sempre que a Lei o permita. Ora, é o próprio Tribunal Constitucional a admitir a possibilidade de referendos locais sobre esta matéria;

3. Apresentamos esta proposta também pela questão da legitimidade. Esta Assembleia Municipal foi eleita em 2009, ainda com um governo do Partido Socialista no poder e sem qualquer proposta de Reforma Administrativa em cima da mesa. Os partidos que se apresentaram às eleições nessa data, da coligação de direita ao Bloco de Esquerda, passando pelo PCP e PS, não colocaram no seu programa eleitoral qualquer referência à extinção de freguesias. Entendemos por isso que nenhum dos partidos representados nesta Assembleia está legitimado para votar uma proposta de Reforma Administrativa que não submeteu ao escrutínio popular. Fazer a democracia nas costas das pessoas é o pior sinal que os representantes eleitos podem dar a quem os elegeu.

Hoje é, portanto, tempo de fazer uma escolha. E a escolha que fazemos hoje é entre a inércia ou a ação na defesa das freguesias e dos direitos das populações. A escolha que fazemos hoje é entre levar a discussão para a rua ou fechá-la num órgão institucional que não tem legitimidade política para deliberar sobre este aspeto. A escolha que fazemos hoje é entre a democracia e o autoritarismo. E nessa escolha, o Bloco de Esquerda assume uma posição clara: estamos do lado das freguesias, estamos do lado da democracia, estamos do lado da partição cidadã. Por essa razão apresentámos este projeto de deliberação para a realização de um referendo local.»